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Jacinta Andrade: maior residencial do Piauí completa dez anos

O maior residencial do Piauí completa, este ano, dez anos desde que seus primeiros moradores foram escolhidos.

19/01/2019 14:05

Dois momentos mudaram radicalmente a vida de Manoel da Silva. O primeiro deles retirou algo da sua vida, mas o segundo foi acrescentado. Há dez anos, ele foi vítima de um atropelamento e perdeu a mobilidade das pernas, tornando-se paraplégico e cadeirante. No mesmo período, logo após um primeiro momento de recuperação, Manoel descobriu que seu nome estaria entre os escolhidos para uma das quatro mil unidades habitacionais sorteadas no Residencial Jacinta Andrade. Ambos os momentos, como conta, marcaram profundamente sua vida e ampliaram, em suas devidas dimensões, a sua forma de encarar o mundo.

“A casa em si foi uma benção de Deus, porque a gente morava de aluguel, na época pagava R$ 400; hoje, você tá pagando o que é seu. Isso para mim foi bom demais, para minha família foi bem demais, o Jacinta Andrade é tudo na minha vida”, relata.

O sentimento que Manoel deixa transparecer com tanta convicção é comum entre os moradores do local. Alcançar o sonho da casa própria transformou, para melhor, a vida de pessoas que moravam, anteriormente, de aluguel, em casas de parentes ou até áreas de ocupação e de risco.

Manoel e a esposa Francisca na casa que, para eles, significou a realização de um sonho (Fotos: Jailson Soares)

Moradias

Considerado um dos maiores investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Ministério do Planejamento, o conjunto habitacional Jacinta Andrade, no Estado, é de responsabilidade da Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH).

Há três modelos de casas no local. De 36m², composta de dois quartos banheiro, sala, cozinha e área de serviço; outro de 50m² com três quartos, sala, cozinha e área de serviço, e um último de 57m² voltados para cadeirantes e, por isso, toda adaptada.

É no último modelo que Manoel foi contemplado para morar com a esposa, Fátima Batista, com quem é casado há 25 anos, e uma filha que recentemente se mudou após o casamento. Ele, que é um líder comunitário da região, mostra com propriedade que conhece cada um dos espaços do residencial. 

Na sala de casa, um banner dependurado conta a história da personagem que dá nome ao bairro: Jacinta Andrade foi atuante no movimento popular de Teresina,  integrava campanhas contra a violência doméstica e foi diretora da Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários, mas teve sua luta interrompida ao ser assassinada brutalmente pelo então namorado.

Para Manoel, em outras frentes, a luta continua como imperativo de vida. “Tínhamos muito problemas e melhoramos, hoje temos colégio, delegacia, terminal de ônibus, eu sei que tem muita coisa para melhorar, mas a gente vai conseguir aos poucos. É lutando e indo atrás que, daqui a pouco, vamos conseguir tudo que queremos”, considera.

Entre o abandono e a depredação 

Além das quatro mil unidades habitacional localizadas no residencial Jacinta Andrade, os investimentos feitos na ordem de R$ 147 milhões também compreendiam a construção de 300 outras unidades habitacionais localizadas no Parque Brasil e aparelhos urbanos em ambas as localidades. No Jacinta Andrade, apesar de todos os espaços previamente prometidos estarem concluídos, alguns deles, até hoje, não entraram em funcionamento, o que facilitou a depredação das estruturas.

Uma das estruturas mais cobradas pelos moradores é o mercado público. Totalmente concluído desde a finalização da entrega das casas para os mutuários, em 2015, o mercado ainda não foi inaugurado. O funcionamento do espaço é de responsabilidade da Prefeitura de Teresina. 

Segundo a Superintendência de Desenvolvimento Urbano Centro-Norte (SDU/ Centro-Norte), o local será inaugurado este mês. Em nota, o órgão afirma que “mantém vigias no local para que a obra não seja depredada e que está em fase de finalização o convênio entre Prefeitura e a associação dos permissionários, para, logo após, serem emitidos os termos de permissão do local”. No entanto, o espaço já tem pichações em toda sua área externa.

Outro espaço que nunca conseguiu ser utilizado pela população é o Centro Cultural. O local é facilmente identificado à distância pelo tamanho da obra que, apesar de imponente, nunca serviu para a finalidade primeira: ofertar opções de cultura e lazer para a população. 

O centro cultural está construído em uma área de 2400 m², oferece um auditório para 200 lugares; hall de entrada; bilheteria; café; depósitos; banheiros, palco; camarins e salas para a administração.Segundo a ADH, no fim do ano passado, foi assinado um convênio de seção do espaço para que a Arquidiocese de Teresina, por meio da Ação Social Arquidiocesana (ASA), assumisse o funcionamento do Centro.


O centro cultural está construído em uma área de 2400 m², mas permanece fechado e teve a estrutura depredada

Ana Cristina, de 41 anos, mora em frente ao local e lamenta a inutilização do espaço. “Tenho filhos adolescentes e tem uma meninada muito grande aqui no Jacinta que iria usar muito bem esse lugar. Hoje, ele está assim, todo deteriorado e abandonado”, afirma.

Depredação

A única quadra poliesportiva do local atualmente é marcada pela depredação e pelo vandalismo. O espaço teve a maioria das estruturas quebradas e, apesar de ainda ser usada pelos moradores no período da manhã, já que, à noite, a falta de iluminação impede, o lixo acumulado e a falta de estrutura deixam o local insalubre.

Inadimplência é de cerca de 40%

Em 2009, as pessoas aptas a participarem do sorteio que permitiria o benefício de se tornar mutuário de uma das quatro mil casas disponíveis no Residencial Jacinta Andrade tinham que ter renda estabelecida de um a três salários mínimos. As casas têm parcelas que variam de R$ 98 a R$ 110, a serem quitadas em um período de 20 anos. O valor considerado acessível da parcela, no entanto, não inibe a inadimplência. Segundo a Agência de Desenvolvimento Habitacional (ADH), cerca de 40% dos mutuários estão inadimplentes com o pagamento das casas.


Casas abandonadas ou vendidas ilegalmente ainda são problema no residencial

“A inadimplência era muito maior assim que assumimos e chegava a 87%. Depois de muita ação educativa, de informar os moradores da importância do pagamento, chegamos a uma porcentagem de 38% e pretendemos cair para 10% nos próximos anos”, explica Elda Carvalho, diretora financeira da ADH.

Outro problema permanente enfrentado pelo órgão é a venda ilegal das casas no residencial. A venda do imóvel e o aluguel são proibidos pelo contrato assinado por cada morador, no entanto, isso não tem impedido a ação irregular. Segundo Elda Carvalho, atualmente, estão sendo estudados 40 casos de moradores que venderam o imóvel ilegalmente. “Contamos com o apoio do Ministério Público e também da Polícia Federal. Essas casas não podem ser vendidas, e estamos investigando as denúncias que chegam até nós”, explica.

Muitas casas abandonadas são facilmente identificadas no residencial, o que também é fator de preocupação para a instituição. “Fazemos visitas recorrentes no Jacinta, mas temos uma equipe pequena e não podemos apurar tudo. Mas temos feito o melhor que podemos”, reforça.

Obras

Das três escolas prometidas no residencial, apenas uma não foi inaugurada. Segundo a ADH, a Unidade já está quase totalmente concluída e será entregue ainda este semestre.

Pesquisa avalia percepção dos moradores sobre o residencial

No fim da tarde, quando os moradores costumam se reunir nas calçadas após o expediente de trabalho e de cumprir as primeiras obrigações do fim da tarde, é provável que se alguém se desafiar a chegar próximo ao grupo e questionar sobre qual é o sentimento em morar no Jacinta Andrade, a resposta saia em uníssono: foi a realização de um sonho. O que esta reportagem pode experienciar ao ouvir de forma pontual a frase dita pelos moradores da localidade, a arquiteta e urbanista Ilana Martins, com mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pode comprovar em pesquisa.

No estudo intitulado “Sustentabilidade nas Habitações de Interesse Social: análise do Residencial Jacinta Andrade, em Teresina, Piauí”, Ilana analisou a percepção que os moradores têm do residencial. Ao pontuar questões como segurança, coleta de lixo, fornecimento de energia, água, condições de moradia, entre outros itens, foi possível chegar a um panorama geral do que pensam os moradores do local. E a resposta foi animadora: na grande maioria dos itens, os moradores encontram-se satisfeitos com a permanência e serviços oferecidos no local.


Ilana Martins avaliou o nível de satisfação dos moradores no Jacinta Andrade em sua dissertação

“Percebi que tem muita coisa a melhorar pelas expectativas que foram criadas, a segurança é uma delas. No entanto, é inegável que as pessoas que moram ali, por terem algo que é próprio, sentem-se muito felizes em ter esse bem. O que espero é que esse material da pesquisa possa oferecer uma base para que as próximas intervenções a níveis estadual ou municipal tenham ciência do que esses moradores pensam e querem”, afirma a pesquisadora.

O trabalho também contém um traçado histórico do avanço dos conjuntos habitacionais em Teresina desde a década de 60. Dados mais recentes apresentam que, durante o período de 2000 a 2016, foram construídos 32 conjuntos habitacionais com 22.502 casas e apartamentos em Teresina.

Na visão da arquiteta, a expansão dos conjuntos é importante para a estrutura urbana da cidade, mas é preciso indagar outras questões. “Sabemos que essas pessoas vão morar tão longe por um motivo, muitos deles não tinham condições de continuar pagando aluguel, ou moravam com a família ou em locais de risco, por isso, a construção desse conjunto foi um ponto positivo. Mas como arquiteta, como urbanista, acredito que tenha outras opções a serem avaliadas. Muito do motivo que se constrói em áreas tão distantes é para atender o mercado. Então temos que investigar mais antes de sair construindo, por que não ocupar os espaços urbanos vazios, por exemplo? A Prefeitura e o Estado precisam de uma vinculação maior com as universidades e vê que os muitos trabalhos que estão sendo produzidos seriam muito importantes para avaliar os aspectos urbanas da cidade”, finaliza.

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