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Clássico que explora libertinagem na Alemanha pré-Hitler ganha nova edição

"O Templo", romance semi-autobiográfico do poeta e ensaísta inglês Stephen Spender, que acaba de ganhar uma nova edição

27/02/2020 11:21

Em 1929, um jovem inglês aspirante a poeta decide passar o verão em Hamburgo, hospedado na casa de um conhecido que encontrou por meio de um funcionário da universidade onde estudava.

À época, a República de Weimar emprestava à Alemanha do entre-guerras uma atitude libertária em relação ao corpo, incluindo as vivências homossexuais. Neste contexto, Paul Schoner faz tudo o que não podia fazer no seu país natal: encontra amigos, amores e bebe até cair em bares do cais de Hamburgo. Em paralelo, registra as suas experiências em forma de diário ou poesia em um caderno que carrega "no bolso como um viajante leva o passaporte em país estrangeiro", segundo o narrador.

Este é o enredo de "O Templo", romance semi-autobiográfico do poeta e ensaísta inglês Stephen Spender, que acaba de ganhar uma nova edição pela 34 -a editora comprou da Rocco, que publicou o livro pela primeira vez no Brasil nos anos 1990, a tradução do diplomata Raul de Sá Barbosa, agora relançada.

Escrito originalmente no final dos anos 1920, o livro teve sua publicação vetada em uma Inglaterra puritana que também proibiu que o clássico "Ulysses", de James Joyce, viesse à tona. Segundo o editor que recusou o manuscrito, a narrativa era pornográfica e difamatória. Sessenta anos se passaram até que Spender voltasse ao seu rascunho original e o concluísse, para que o volume finalmente chegasse às livrarias em 1988.

Há um tom de leveza no texto e na exploração de um novo país pelo personagem principal, um judeu que descobre o sexo e a amizade entre semelhantes. As descrições dos corpos masculinos nas casas de banho que ele frequenta com seus novos amigos são francamente engraçadas: "Àquela altura, Paul já conhecia bem a pele branca do outro, que o sol jamais tostava. Era lisa como se fora encerada, e dela brotavam pelos pretos e duros como pequenos pedaços de arame".

Um dos trunfos da narrativa é deixar entrever o nazismo que se aproximava nas falas dos personagens, como se eles soubessem de algo mas não percebessem exatamente do que se tratava. "Meu marido emprega inúmeros judeus verdadeiros na sua firma. Alguns são muito inteligentes. E alguns são muito boa gente. Limpos, sóbrios, articulados", diz a anfitriã abastada do protagonista durante um jantar em sua casa na parte rica de Hamburgo.

Mas, como o clima político do período, o texto ganha tons sombrios à medida que o tempo avança. Antes da primeira edição do livro, o autor alterou a parte final da narrativa em relação a seu rascunho, situando-a no inverno de 1932, meses antes da ascensão de Hitler. A estação do ano é uma metáfora daquele momento: o protagonista volta a Hamburgo e se depara, meio incrédulo, com o antissemitismo infiltrado até mesmo entre os seus. 

Fonte: Folhapress
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